23 maio, 2009

Ex-kamikaze conta como refez a sua vida no Brasil

0806429 Aos 88 anos, Akira Fukuma enxerga pouco, ouve menos ainda, mas mantém uma lucidez que o faz lembrar de detalhes das batalhas da 2ª Guerra e do sonho de voar. Foi piloto kamikaze da Força Aérea japonesa, mas, por falta de aviões, não morreu numa missão suicida.

Era março de 1945, o conflito chegava ao fim para Alemanha e Itália, duas forças do Eixo. Na Ásia, o Japão resistia, mesmo com o Exército sucateado. Em Hiroshima, cem pilotos da Marinha eram escolhidos como kamikaze. Em uniforme militar, Fukuma está no grupo (ele mostra fotos). "Fiquei contente porque iria dar a vida pela pátria. Não tinha o menor medo."

Em 15 de agosto de 1945, nove dias depois do lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima e seis dias após Nagasaki, Fukuma está na base aérea de Oita, pronto para voar, matar e morrer.

O caça Zero que pilotava, o modelo de avião mais usado pelos kamikazes, estava prestes a decolar, só com combustível de ida e 250 kg de explosivos e bombas para afundar um navio qualquer da frota americana.

Mas veio a ordem do imperador Hirohito para rendição do Japão, e o que seria o gesto de patriotismo, orgulho e heroísmo convertia-se em vergonha, tristeza e raiva. Ele chora.

Quando soube que não completaria a missão, Fukuma pilotou o caça de volta para casa. Antes, sobrevoou Hiroshima, sua terra natal. "Vi uma coluna de fumaça que pensava ser os restos da "little boy" [nome dado pelos americanos à bomba atômica]. A fuligem que cobria a cidade eram os corpos sendo cremados", lembra Fukuma, que não perdeu ninguém da família porque o pai era oficial do Exército e não estava com mulher e filhos na cidade. Ao chegar em casa, em vez de um abraço, Fukuma recebe uma bronca da mãe. "Ela disse: "Seu sem-vergonha, por que voltou vivo?'". Aos 25 anos, o ex-piloto passou a ter fastio, insônia e sofrer de descontentamento.

Em 1958, agora com mulher e filho, teve a idéia de imigrar ao Brasil. "Gostava de aventuras. Queria mudar de vida e de lugar. Não quis ganhar dinheiro."

Mas não tinha a força de trabalho (o número mínimo de familiares) exigida pelo governo brasileiro para trabalhar na roça. Veio no navio América Maru para Buenos Aires (foram 60 dias ao mar) e entrou clandestinamente no Brasil pela fronteira do Paraguai.

Refez a vida numa fábrica de cerâmica na Lapa (zona oeste de SP). Trabalhou no plantio de verduras em Itapecerica da Serra (Grande SP), foi operador de cinema em Bastos (536 km da capital paulista) e professor de japonês na colônia de Dois Irmãos, próxima de Campo Grande. Lá, teve problemas com o álcool. Melhor dizer: com a cachaça, que bebia pura e lhe trouxe danos ao fígado.

Até hoje não fala português. Mulher e filho morreram. Ela dormindo, ele de leucemia. Mas pede para não falar sobre o assunto, "que lhe dói a alma".

Interno num lar geriátrico de Santos, Akira Fukuma é miúdo. Pequeno no seu 1,60 m já curvo e com 47 kg, ele grita para ouvir a própria voz.

Acorda todos os dias às 4h, varre o pátio, corta legumes para os colegas e anda 9 km pela orla de Santos, onde é conhecido como "o velhinho que bate tudo a pé". "No Japão, eu era maratonista e fui sete vezes campeão de esqui. As pessoas adoecem porque não andam. Meus colegas de quarto só sabem dormir", afirma.

Fukuma ganha um salário mínimo de aposentadoria do INSS, dos quais 80% vão para manutenção do lar geriátrico. Os 20% que restam ele gasta com plantas e flores.

Ex-tenente, Fukuma diz que ainda sabe pilotar o caça Zero e tem vontade de voar. Mas nunca viajou em aviões modernos como um Boeing ou um Airbus. Nem nunca voltou ao Japão.

Ataques

A idéia de um ataque suicida como estratégia militar é atribuída ao almirante japonês Takijiro Onishi. Não há registros precisos, mas estima-se que entre 2.000 e 4.000 pilotos kamikazes morreram em ataques.

POR: VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
Enviado da Folha de São Paulo a Santos

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